Uma das emoções estéticas mais verticais que tive nesses últimos tempos no Rio Grande do Sul deu-se no encontro com o trabalho fotográfico de Gilberto Perin. É inacreditável que, de dentro desse cidadão de expressão costumeiramente serena, possa irromper uma arte de toques metafísicos de beleza tão eloquente e avassaladora, característica assombrosamente presente já em sua penúltima exposição. O que podemos acrescentar em palavras diante de uma fotografia dessa mostra, ao revelar um homem negro em algum ponto da África, de costas contemplando o mar? Em frenesi de cores, sentimos a nudez pagã entre o eu e o mundo, mais nada. Talvez um arrepio.
Na atual mostra, percebemos – um pouco de soslaio, tal um certo pudor diante do nosso choque em meio à atuação das belezas periféricas em cena –, percebemos jogadores de futebol das divisões inferiores em seu intimismo viril, nos pobres vestiários, alguns ensaboados debaixo dos chuveiros, entre confidências discretas, surdas talvez. E as cores, sempre as cores, vivíssimas, tão vivas que sentimos nelas um laivo da mais santa crueldade.
Gilberto Perin é um dos maiores fotógrafos brasileiros em ação. Entre suas fotos, há uma expondo como que um túnel improvisado entre os vestiários e o campo do jogo. Ninguém. Existe tal densidade em sua luz erma, entre o claro e o sombrio, que esse instante tem a qualificação de um mistério. Trata-se da pausa entre as múltiplas insinuações eróticas da exposição. As coisas sem a presença humana nos faz descansar um pouco da força carnal, mesmo que essa força venha um tanto dissimulada no bojo de certa placidez do pós-jogo, no desfecho do trabalho-lazer, antes de os atores se dissolverem novamente na prática do cotidiano.
Voltei à exposição de Perin, e observei que o fim do "túnel" não era o campo de futebol, como eu ponderei durante a primeira visita, mas, sim, inversamente, o próprio vestiário, vestiário em sombras, não tanto a expressar o insondável, mas a guardar uma ardência que os olhos do público esqueceram em alguma fisiologia adormecida. Eu mesmo, me dou conta agora, preferi ver nesse estreito caminho espectral do nosso poeta a finalidade da luz, onde o jogo pode ser assistido sem máculas pela comunidade, com vistas a uma festa que irá nos redimir. O escuro no desfecho da minúscula estrada, ao contrário, nos dará tão-só um drama que preferimos, até aqui, calar...
João Gilberto Noll - Escritor
João Gilberto Noll - Escritor
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